Para quem ainda não sabe, storytelling (“contar história”, em tradução livre) é um recurso narrativo utilizado pelas empresas inspirado em escritores e roteiros, com o propósito de transmitir uma mensagem publicitária de forma diferenciada e marcante.
Como era de se esperar, o storytelling chegou ao setor de bebidas com força total, servindo para agregar valor à história das marcas e aos rótulos vendidos. Contudo, até onde essas “histórias” são verídicas? É possível inventar uma história fictícia sem nenhum fundo de verdade? Poderia ser considerado só marketing barato, ou teria alguma repercussão jurídica para quem se utiliza desse recurso de forma duvidosa?
TRANSPARÊNCIA COM O CONSUMIDOR
As empresas que se utilizam do artifício do storytelling precisam ser minimamente sinceras com o consumidor. Não são toleradas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) ficções enganadoras como forma de promoção de determinada empresa ou produto.
Comover o consumidor parece tentador, mas isso tem limite: não é possível enganá-lo a qualquer custo com o objetivo de conquistá-lo.
Além de ser uma prática desleal, esse tipo de enganação confronta o artigo 37 do CDC, que proíbe a publicidade enganosa ou abusiva. Nesse sentido, o parágrafo primeiro do artigo é bem claro quanto ao que pode ser considerado como publicidade enganosa:
“É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.” Além de entrar em conflito com o CDC, narrativas fantasiosas mais cedo ou mais tarde são desmascaradas, fazendo a empresa perder credibilidade. Portanto, quando falamos de storytelling, é essencial ser transparente e honesto.
CASO BRAHMA DA GRANJA COMARY
Antes da Copa do Mundo de Futebol de 2014, a Ambev lançou no mercado uma edição especial da cerveja Brahma, assinada pelo então técnico da Seleção Brasileira, Luiz Felipe Scolari, a qual supostamente teria sido produzida com cevada plantada na Granja Comary (Teresópolis/RJ), que é o Centro de Treinamentos da Seleção Brasileira de Futebol.
A edição foi um grande sucesso de vendas, principalmente em função do forte apelo derivado do storytelling relacionado com a cevada usada na receita, que teria sido plantada previamente no local onde a Seleção treina e se prepara.
O CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), provocado pela queixa de um consumidor que duvidou da história, pediu explicações à Ambev sobre a plantação de cevada na Granja Comary. Em sua defesa, a empresa enviou várias fotos, notícias e documentos que comprovavam a existência, mesmo que breve, de área cultivada do cereal no local. Após tramitar em todas as instâncias do CONAR, a queixa foi arquivada.
CASO KONA
É provável que você já tenha se deparado com algum dos rótulos da cervejaria Havaiana Kona. Cada rótulo estampa diferentes imagens ilustrando alguma praia ou local paradisíaco no Havaí, onde fica a sede da cervejaria.
Todavia, diferentemente do que a cervejaria dá a entender, as cervejas da Kona são produzidas bem longe da ilha, em Portland, no estado do Oregon. Em ação movida contra a cervejaria, na qual foi alegado que os rótulos induziam os consumidores a pensarem que as cervejas eram produzidas no Havaí, a Kona fechou um acordo no qual se comprometeu a ressarcir todos os consumidores que se sentiram lesados.
PERSONAGENS FICTÍCIOS
As empresas do ramo alimentício Do Bem (sucos) e Diletto (sorvete) foram contestadas no Procon e no CONAR por usarem histórias e personagens fictícios em suas peças publicitárias. No caso da Do Bem, a empresa informava que seus sucos eram fornecidos pelo “Seu Francisco”, quando na verdade eram produzidos por uma grande empresa do setor. Já a Diletto criou a história ficcional do “Nonno Vittorio”, que teria trazido suas receitas de sorvetes e picolés da Itália e que seria avô de um dos sócios da empresa. O Conselho de Ética do CONAR resolveu arquivar a representação contra a Do Bem e recomendou à Diletto que deixe explícito no material publicitário que a história sobre a origem do sorvete é uma fantasia.
BOM SENSO!
Então, o principal ingrediente para um storytelling eficiente e que não desrespeite o CDC é simples: bom senso. Ao fim e ao cabo, o que vai definir o sucesso do produto é a sua qualidade, então se paute pela honestidade em suas campanhas publicitárias, a fim de evitar problemas legais e de credibilidade da sua empresa.
André Lopes